O Diário de Any Livic

Capítulo 24

Eu não estava conseguindo raciocinar direito.
Parecia que tudo na minha frente estava embaçado.
Nada fazia sentido.
Eu precisava tomar uma decisão.
Tentei conversar com a Melody de todas as formas possíveis, mas como ela não me respondia, um dia que saí do trabalho um pouco mais cedo, fui até a casa dos meus pais pedir conselhos para a minha avó – a única pessoa que poderia me iluminar nessa hora.

Julie: Uhuuuuuu!!! Temos um big casamento para planejar! Minha irmã vai se casar com um ricaço!!!
Any: Julie, cala a boca! Eu vim aqui conversar com a vovó. Quem mandou você ficar ouvindo atrás da porta?
Antonieta: Calma, Any. Você sabe como a Julie é...
Julie: Ai! Deixa o Joseph levar as alianças? Deixa vai!!! Acho uma graça casamento com criança levando as alianças e...
Antonieta: Julie, vai trocar a fralda do teu filho, vai, que eu to sentindo o fedor daqui!

Mas não demorou muito até a minha mãe chegar e começar a dar pitaco na conversa.

Lourdes: Filha, tem que ser um casamento gigantesco! Tem que usar vestido de princesa! Festa pra uns 600 convidados. Se bem que, fica mais chique fazer bem reservado, assim quem não for convidado vai ficar morrendo de inveja.
Any: Mãe, você não está entendendo!
Lourdes: Você é que não está entendendo! O cara é bonitão, podre de rico! Vai dar a você o futuro que você merece. E você fica preocupada com a Melody? Ah, tenha dó! Queria ver se alguma das outras coleguinhas dela teria os privilégios que você tem. O cara não confia nelas, não.
Any: Mãe, não é essa a questão.
Lourdes: Então qual é a questão? Você tem namorado? Vai ter que desistir de alguma coisa pra se casar com o melhor partido de Bridge Port? Ah, não... Pelo amor de Deus não vá me dizer que você ainda está esperando por aquele pé rapado do... Nem me lembro mais o nome dele!

Antonieta: Olha, minha neta... Se você for pela cabeça dessa louca desvairada aqui, você só irá se embananar mais ainda!
Lourdes: Mãe!
Antonieta: É verdade! O Miguel tem ido aos shows, que você manda os ingressos?
Any: Não...
Lourdes: Então, ta vendo? Ele não ta nem aí pra você! Você é muita areia pro caminhãozinho dele, minha filha! Você merece um homem com H maiúsculo, à sua altura. E esse homem é o Matthew Hamming.
Antonieta: Caramba, Lourdes, deixa a menina pensar!
Any: Tem a Melody também...
Lourdes: Ah, essa menina é muito da mimada, viu? Tudo isso é por causa dela e ela vai ficar fazendo doce? Se bem que eu acho que o Matthew aí só uniu o útil ao agradável, porque eu acho que ele sempre arrastou uma asinha por você, viu Any?
Any: Pior ainda!
Lourdes: Como assim pior? Se você não for, eu vou no seu lugar rapidinho!
Antonieta: Ai, meu Deus, quanta besteira!

Any: Vó, me ajuda!
Antonieta: Any, minha neta querida... Eu gostaria muito de poder te ajudar, de dizer o que você deveria fazer. Mas isso é algo que só você pode decidir. E sozinha. Não dê bola para o que a sua mãe e a sua irmã estão falando. Também não se preocupe demais com a Melody. Ele mesmo já falou que vai cuidar dessa parte dela. O Miguel, minha neta, esse é uma incógnita. Você não pode ficar a sua vida inteira esperando por ele. Você deu a oportunidade e ele não aproveitou. Agora é você quem sabe se deve insistir mais, ou tocar a sua vida. Esse moço tem grande apreço por você. Ele te ajudou demais e ajudou demais o seu pai a realizar todas as vontades da sua mãe. Mas não fique presa a um mundo de gratidão. Ele não fez esperando algo em troca, ele fez porque achou que era certo. Você não tem obrigações para com ele, entende? Aí vai de você decidir o que você vai querer para a sua vida. Não vou te dizer “faça” ou “não faça”. Isso é você que terá que ver os prós e contras e decidir sozinha. Você já está adulta e madura o suficiente para tomar a decisão que considerar melhor para você. Se acertar, ótimo. Se errar, terá que aprender a conviver e superar esse erro.
Any: Parece tão fácil quando ouço você dizer isso, vó. Mas a verdade é que estou muito confusa e dividida.
Antonieta: Não se martirize. Vá para casa, durma bem, que amanhã é um outro dia.

Dei o abraço mais forte que poderia dar em minha avó. Ela tinha razão.
Eu só gostaria que as coisas fossem diferentes... Gostaria de conversar com a Melody. Isso seria fundamental para que eu tomasse a minha decisão com mais tranquilidade.
Fiquei zanzando pela cidade e depois fui para casa.

No dia seguinte acordei com o meu telefone tocando.
Era a minha mãe desesperada, dizendo que a minha avó tinha falecido.
Ela estranhou minha avó não ter ido tomar café da manhã, e foi chamá-la no quarto. E então a encontrou deitadinha na cama, como se estivesse dormindo.
Disse que parecia tão tranquila, como se já tivesse feito tudo o que tinha pra fazer e simplesmente chegou a hora.

Foi uma verdadeira bomba! Logo depois de me dar os conselhos mais preciosos da minha vida, minha avó se foi!
Nunca mais eu iria abraçá-la, nunca mais iria ouvir seus sábios conselhos, nunca mais comeria aquela panqueca deliciosa que ela fazia no café da manhã...
Todos foram embora do cemitério. Só eu fiquei ali. Não conseguia ir embora. Acho que é porque eu não queria deixá-la ir...

Matthew: Any...

Any: Matthew, você veio!
Matthew: É... Eu fiquei ali mais longe, para dar privacidade à sua família. Fiz o máximo que pude para deixar os paparazzi longe.
Any: Obrigada!

Matthew: Vem! Eu vou te levar no lugar que eu fui, quando meu pai morreu.

Eu não tinha reação nenhuma. Estava tão perdida! Naquele momento eu não era mais dona das minhas ações. O que me pedissem para fazer eu faria. Não sentia nada, não tinha vontade de nada, não sabia de nada. Era como se eu estivesse ligada no piloto automático.

Matthew: Quando meu pai morreu eu fiquei em estado de choque. Não queria acreditar que era verdade. Corri para cá e fiquei horas gritando contra o vento, escutando o eco da minha voz. Porque era exatamente assim que eu me sentia, sabe, Any? Sozinho. Gritando para nada. Como se eu fosse a última pessoa na Terra.
Any: Como você descobriu esse lugar?
Matthew: Não me lembro. Eu simplesmente saí correndo. Minha mãe veio me abraçar, eu me desvencilhei dos braços dela, e corri feito louco. Corri, corri, corri... De repente vim parar aqui. Aí nos primeiros anos, sempre que me sentia aflito, eu corria pra cá e gritava ao léu tudo o que eu queria desabafar. Só assim eu consegui superar a perda do meu pai, os primeiros anos na carreira cinematográfica, as primeiras fofocas e confusões de ser celebridade... Sabe, Any, a maioria das pessoas que se aproximarem de você, será por interesse. Vai demorar até que você consiga distinguir quem está ao seu lado de verdade e quem está por interesse. E mesmo assim você ainda irá errar e sofrer muitas vezes.
Any: Isso parece ser muito solitário.
Matthew: E é. Por isso é preciso ter a cabeça muito firme, para não descambar, entende?
Any: Entendo.
Matthew: Vem aqui!

Matthew: Consegue pegar?

Quando eu consegui pegar aquela criatura tão linda, mas também tão frágil, eu percebi o quanto a vida pode ser breve, e o quanto somos ao mesmo tempo tão pequenos mas tão poderosos num Universo infinito.
Nesse momento senti como se estivesse sendo abraçada. Mas não havia mais ninguém ali, e Matthew estava bem à minha frente.
Foi então que percebi que aquele era um momento divisor de águas na minha vida.

Caminhamos por vários lugares. Lugares estes que eu jamais imaginava que existiam em Bridge Port.
Matthew falava do seu pai, da sua infância com ele, e de todas as dificuldades que enfrentaram até se tornarem ricos.
Era mais ele que falava. Eu quase não falava nada. Na maior parte do tempo eu apenas balançava a cabeça, e me controlava para não chorar.
Matthew disse que eu não deveria segurar. Que era importante eu ter o meu momento de desabafo, de choro, de luto.

Andamos o dia todo e quando anoiteceu estávamos em um parque qualquer. Nem me lembro direito onde.
O céu estava tão lindo! Parecia em festa! Era como se uma festa estivesse sido preparada para receber a minha avó.

Any: Você sente falta do seu pai?
Matthew: Todos os dias. E da minha mãe também.
Any: Como você consegue?
Matthew: Não consigo. Sabe, Any, é uma dor que nunca passa, mas que um dia você se acostuma a conviver com ela. Mas um dia você vai ter filhos, e quando você vir aquela criaturinha tão pequena e indefesa, você compreenderá o ciclo da vida, e passará a não se sentir mais tão abandonada e perdida no mundo.

Any: Matthew, eu tomei uma decisão.
Matthew: E qual é, Any?
Any: Eu aceito me casar com você, mas com uma condição: quero primeiro atingir o topo da minha carreira, para que ninguém pense que foi o casamento que me ajudou. Quero conseguir por mim mesma, como fiz até agora.

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Alguém reparou na moita de flores flutuando na última foto do capítulo? o.O