O Diário de Any Livic

Capítulo 21

Era uma mistura de euforia com medo. Pavor, pra ser mais exata. Eu não conseguia olhar nos olhos dele!

Miguel: Nossa, Any, você por aqui!
Any Livic: Pois é! Quanto tempo, né?
Miguel: É mesmo. Nunca imaginei te encontrar num lugar desses.
Any Livic: Ué, mas por quê?
Miguel: Ah, sei lá... É tão subúrbio...
Any Livic: Nada a ver!
Miguel: Agora você é famosa, rica. Não deveria freqüentar lugares assim.

Então me ocorreu que ele deveria ter lido o jornal com o boato do romance com o Matthew, e deveria estar pensando mil besteiras a meu respeito.

Any Livic: Bobagem, Miguel. Não acredite em tudo que você lê nos tablóides. E você também está muito chique para estar num lugar desses, como você mesmo disse.

Miguel: Meu colega de faculdade herdou esse lugar do pai. Aí ele não sabia como administrar, e me chamou para ajudá-lo. Eu venho aqui de vez enquando para ver se está tudo certo.
Any Livic: Faculdade, uau! Você sempre disse que não sabia se conseguiria entrar...
Miguel: Pois é. Eu consegui uma bolsa e me formei em administração.

Foi aí que a minha ficha caiu e me percebi que talvez não fosse coincidência esse encontro. Pra mim a Julie soube que o Miguel vinha aqui de vez enquando e meio que forçou este encontro casual.
Ela jamais admitiria isso, mas entre irmãs às vezes algumas palavras não são necessárias.

Any Livic: Puxa, Miguel, parabéns! Estou orgulhosa de você!

Mas não houve muito tempo para que pudéssemos conversar direito, porque logo uma fulana chegou e estragou todo o clima.

Aria Trill: Ah, você está aqui! Que bom que você chegou, Miguel! A cozinha está de cabeça para baixo! Um dos cozinheiros faltou, a pia continua vazando, um dos garçons resolveu ficar no lugar do cozinheiro, queimou todas as porções de asinhas de frango e ainda ficamos sem gente pra servir os clientes!
Miguel: Caramba! Será que tem alguma coisa dando certo essa noite? Bom... Any...
Any Livic: Tudo bem, Miguel, vai lá. A gente conversa outra hora.
Miguel: Beleza.
Any Livic: Olha... Quando eu fizer outro show, vou mandar uns ingressos pra você e pra sua família, ok? Com direito a acesso ao backstage.
Miguel: Claro, claro. Muita gentileza sua.
Any Livic: Espero ver vocês lá, então.

É... Não foi o melhor dos encontros, mas também não foi tão ruim quanto eu temia.

Mesmo assim eu voltei pra casa e enfiei a cara num pote de sorvete.
Já estava quase amanhecendo, e em poucas horas a Melody e o Matthew pegariam o avião para Champs Les Sims.
Acabei nem dormindo, mas fiz de conta que estava apagada no quarto.

Eles ficaram um tempo conversando durante o café da manhã.
Não sei sobre o que eles falaram, as eu achei melhor não me meter no meio. Fiquei quieta no meu canto.
Mas é claro que não via a hora de encontrar Melody sozinha, pra contar sobre o que havia acontecido na noite anterior.

Any Livic: Se pelo menos você ficasse...
Melody: Não ia mudar em nada eu ficar ou não. Esse assunto é entre vocês dois. Não tem nada a ver comigo...
Any Livic: Mas você estaria mais perto pra gente conversar.
Melody: Pra isso tem internet, celular...
Any Livic: Ah, Melody, não é a mesma coisa!
Melody: Any, deixa de ser dramática! Olha só, você vai ter a casa só pra você! Imagina as possibilidades...
Any Livic: Eu já falei pra você que não vou ficar aqui. Vou voltar pra casa dos meus pais.
Melody: Bom, você faz o que achar melhor.
Any Livic: Mas e o Miguel? Você acha que eu devo fazer?

Matthew Hamming: Meninas, está na hora!
Melody: Mas já?
Matthew Hamming: Aham. Precisamos ir pro aeroporto, pra não perdemos o voo.
Any Livic: Puxa, mas não dá pra vocês ficarem só mais um dia?
Melody: Se eu ficar mais um dia posso perder a inscrição pra professora substituta na universidade de Champs Les Sims, Any.
Any Livic: Ah, é... Ta certo... Bom... É...

Any Livic: Matthew, eu vou arrumar as minhas coisas e vou voltar pra casa dos meus pais.
Matthew Hamming: Que absurdo, Any! Claro que você não precisa sair daqui.
Any Livic: Matthew, eu não me sentiria bem aqui.
Matthew Hamming: Por ficar sozinha, ou porque você não se sente à vontade aqui?
Any Livic: Ah, sei lá... Acho que as duas coisas.
Matthew Hamming: Bom, então chama a sua irmã pra ficar aqui com você. Vou deixar a Lilly-Bo Chique pra te ajudar no que você precisar. Aí vê se a sua família se reveza, pra você não se sentir sozinha.
Any Livic: Ah, bem... Eu...

Matthew Hamming: Você precisa do estúdio daqui de casa para treinar suas composições, pra progredir na carreira.
Any Livic: Bem, isso é verdade, mas...
Matthew Hamming: Bom, então está decidido: você fica. Apenas lembre-se de manter os instrumentos afinados.
Any Livic: Mas é você que costuma fazer isso...
Matthew Hamming: A Lilly-Bo Chique tem o telefone de um afinador muito bom. Ele trabalha na Prisma Filmes, na parte das trilhas sonoras. O que você precisar, é só pedir para ele, ok?
Any Livic: Ok.
Matthew Hamming: E de mais a mais eu tenho certeza que essa escapada da Melody não vai durar muito, né filha?

Melody: Hum...
Matthew Hamming: Não dou uma semana pra ela ficar morrendo de saudade e querer voltar.
Any Livic: Bom, mas pelo menos algumas vezes vocês virão, né? Nem que seja pra ficar uns dias...
Matthew Hamming: Claro, claro! Eu tenho vários compromissos agendados. E você também pode ir para lá quando quiser.

Any Livic (com a voz chorosa): Melody, vou sentir tanto a sua falta!
Melody: Ah, amiga, não fica assim! Você vai estar tão ocupada, que não vai ter tempo de sentir saudades. Prometo! Quero que você me mande e-mail todos os dias contando o que está acontecendo, que me ligue quando precisar desabafar... Não vamos estar perto fisicamente, mas a nossa amizade continua a mesma.
Any Livic: Puxa, fico tão aliviada em saber disso!

Então eles foram embora.
E eu me senti mais sozinha do que nunca!
Sozinha. Angustiada. Com medo.
Mas a Melody tinha razão em uma coisa: não tive muito tempo para ficar me martirizando e sofrendo, não.

O telefone tocou, e o agente que o Matthew deixou cuidando da minha carreira, enquanto ele estivesse na França com a Melody, disse que um escritor novato havia feito uma biografia sobre a minha vida, e que queria que eu fosse no Spa e Livraria Fábula de Wilki para fazer uma sessão de autógrafos.
Hã? Biografia? Como assim?
Parecia que as coisas estavam começando a acelerar...

Recebi muitos convites para festas. Matthew já havia me falado que eu não deveria recusar nenhuma, deixando de ir apenas quando não desse de jeito nenhum, pois nessas festas conhecia-se pessoas de muita influência, que poderiam ajudar demais na minha carreira.
E eu segui cada um dos conselhos que ele me deu.

Entre uma festa e outra, continuava praticando musicalização, apresentação no palco e composições.
Era muito exaustivo, mas tanto empenho gerou ótimos frutos: fui promovida a Vocalista Substituta!
Agora sim eu passava mais tempo no palco, mostrando meus talentos, do que perdendo tempo com futilidades – mas que foram necessárias para que eu chegasse onde cheguei.
E eu queria mais! Muito mais!

Todos os dias escrevia para a Melody, contando o que estava acontecendo.
E ela sempre me respondia, dizendo o quanto estava orgulhosa de mim.

Meu primeiro Concerto como Vocalista Substituta foi no Estádio da Lhama S/A.
Corri logo para enviar pro Miguel os convites VIPS, com acesso ao backstage, como havia prometido.
O Show foi fantástico! Sublime! Eu me senti tão bem, como se finalmente havia encontrado meu lugar no mundo!
Mas Miguel não apareceu.