O Diário de Any Livic

Capítulo 15

A viagem de volta para Bridge Port foi longa e cansativa.
A apresentação para a nota final me deixou completamente esgotada!
Mas graças a Deus e a ajuda do Matthew tudo correu bem, e eu consegui a nota que precisava para passar de ano.
Só que o voo atrasou, e eu acabei perdendo o parto da Julie, infelizmente.
Não via a hora de conhecer meu sobrinho!

A cobertura que meu pai comprou era exatamente como a minha mãe havia sonhado e pressionado o coitado até que ele comprasse.

Minha mãe trocou a obsessão das estampas florais pelas peles de animais. Fakes, espero. Pelo menos ela JUROU pra mim que eram.
Nem a minha avó escapou desse extreme makeover.
Elas estavam aflitas com a demora do voo de Champs Les Sims.

Já era quase noite quando cheguei lá.
MEU DEUS, QUE SAUDADES!!!
Apesar de não ser a outra casa, o cheiro era o mesmo, só que adicionados os incensos que eu mandava pra minha mãe.
Mas aquele cheirinho das panquecas deliciosas da minha avó ainda predominavam no ar.
“Agora aprendi a fazer crepes, em sua homenagem”, disse ela toda orgulhosa.

Any Livic: Queria tanto ter ficado com você durante o parto!
Julie: Desencana, Any. Acredite: não foi bonito.
Any Livic: Como não pode ter sido bonito um acontecimento tão mágico desses?
Julie: Não existe nada de mágico em tentar fazer passar uma melancia por onde só passa uma laranja, Any...

Aí não deu, caímos na risada!

Any Livic: E o Matthew Jr?
Julie: Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.
Any Livic: Ele já sabe que o bebê nasceu?
Julie: Deixei um recado no celular dele, porque ele não atende as minhas ligações. Mas duvido que retorne.
Any Livic: É, Julie, o melhor agora é bola pra frente! Mas, e quando vou poder conhecer meu sobrinho lindo?

Foi então que meu pai chegou do trabalho.
Como ele estava diferente! Tão bonito! Parecia um artista de cinema!
Todo arrumado, perfumado, com a barba feita.
Dava pra ver como que esse emprego aumentou a autoestima dele.
E eu estava muito orgulhosa daquele homem transformado, parado ali na minha frente.
Fiquei tanto tempo admirando meu pai, que só voltei à mim quando a Julie me puxou pelo braço e disse: “Vem, ele já acordou. O jantar tá quase pronto. Vem conhecer o meu quarto antes da gente jantar”.

Any Livic: Nossa, Julie, é bem a sua cara esse quarto!
Julie: Me inspirei nas fotos que você me mandava do seu. Cheguei perto?
Any Livic: Xiiiiii...
Julie (rindo): Não, né?
Any Livic: O importante é que ele fique do seu gosto, não que fique parecido com o meu quarto.
Julie: É, você tem razão. Olha lá, ele já percebeu que tem gente nova no pedaço...

Any Livic: Meu Deus, Joseph, como você é lindo!!! Dá até vontade de te morder!
Julie: Ai, Jesus! Devia ter trazido a sua tia depois do jantar pra te ver, Joseph...

Enquanto segurava Joseph no colo e ria das palhaçadas da Julie, percebi o quanto queria formar uma família também.
Será que um dia o Miguel e eu teríamos filhos tão fofos quando o Joseph?
Ficar olhando aquela criaturinha tão pequena e indefesa, com aquelas mãozinhas minúsculas, mas que já sabem o que querem pegar, aqueles sonzinhos fofos que bebês fazem, e aquele cheirinho de talco, me fizeram viajar, e perceber que não queria ficar longe dele. Queria estar presente no primeiro banho, no primeiro passo, no primeiro dia de escola, na primeira namorada...
Como a gente pode amar tanto alguém que acabamos de conhecer?

O jantar estava pronto, e pela primeira vez em muito tempo nós conversamos e rimos sem parar.
Não houve brigas, discussões, indiretas, humilhações...
Voltamos a ser uma família feliz e unida.
Não acho que o dinheiro trouxe felicidade, mas quando não se tem mais tanta preocupação de como se vai pagar as contas no final do mês, sobrou tempo para todos se curtirem e voltarem a ver que privilégio imenso era ter aquelas pessoas maravilhosas reunidas sob o mesmo teto.
Estava tão feliz quanto a última noite em Champs Les Sims, quando ficamos cantando em volta do piano.

Foi então que eu me lembrei que eu tinha mais uma parada para fazer.
E não seria uma parada fácil.
Eu estava com muito medo do que aconteceria.
Durante o caminho eu rezei para que fosse apenas encucação minha.
À medida que me aproximava da casa dos Suarez, meu coração ficava cada vez mais apertado, e antes mesmo de descer do carro, as lágrimas caíam incontrolavelmente do meu rosto.

Any Livic: Oi, senhor Emílio! Desculpe vir sem avisar, mas o Miguel está?
Emílio: Any, que surpresa você em Bridge Port! Está sim. Pode subir lá no quarto dele.

Cada degrau que eu subia na escada meu coração batia mais forte, e parecia que ele ia sair pela minha boca.
Uma mistura de ansiedade e medo tomaram conta de mim e eu cheguei até a sentir um pouco de tontura.
Quando cheguei à porta do quarto e bati na porta, tremia tanto que nem consegui girar a maçaneta ao ouvir “Entra!”.

Aí eu já não me controlei mais, e caí no choro.

Any Livic: Miguel que saudades!

Mas a resposta não foi bem como eu imaginava que seria, e meu maior medo acabou se concretizando.

Miguel (afastando Any Livic): Não tão rápido, Any.

Eu fiquei petrificada. Realmente não sabia como agir. O choque foi tão grande, que as lágrimas secaram.
Um silêncio muito grande tomou conta da varanda. Não ouvia os grilos, os carros, os sons no andar de baixo. Nem meu coração parecia que eu estava ouvindo.
Não sei quanto tempo ficamos parados olhando um para a cara do outro, mas nenhum dos dois se atrevia a dizer alguma coisa.
Nesse momento eu fiquei com medo, muito medo.
O olhar do Miguel era de fúria, de decepção. Parecia que ele estava guardando um monte de coisas e não tinha coragem de dizer.
Então, de repente, pareceu uma explosão!

Miguel: Você acha que eu sou idiota? Você veio tripudiar em cima de mim, é? Nem precisava ter se dado ao trabalho de aparecer.
Any Livic: Miguel, eu sei o que você deve estar imaginando, mas acredite em mim...
Miguel (interrompendo Any Livic): Você me traiu publicamente! Você tem ideia de como estou sendo zoado pelos meus amigos?
Any Livic: Miguel, eu não te traí! Você não entende? Os paparazzi, eles...
Miguel (interrompendo novamente Any Livic): Paparazzi, sei... Eles só delatam o que veem, Any. Ou vai dizer que as fotos eram montagem?
Any Livic: Que fotos? Miguel, eles publicam tudo fora do contexto!
Miguel: MENTIROSA! Você me fez acreditar nas suas promessas, me fez acreditar que cumpriria a sua parte do nosso trato. Eu não mereço isso!
Any Livic: MAS EU CUMPRI!!!
Miguel: Não, não cumpriu! Você disse que viria mais vezes pra cá, que daria um jeito de eu ir te ver...

Any Livic: Miguel, calma! Você não tem ideia de como a faculdade é puxada! Os professores são exigentes e eu tive dificuldade com o idioma...
Miguel: MENTIRA! Você tava era de caso com o tal rapaz misterioso da cafeteria. Será que era só com ele? Ou com o Matthew também?
Any Livic: Olha, eu entendo que você esteja com raiva e com ciúme, mas não precisa me insultar!
Miguel: Raiva? Ciúme? Você não sabe nem um pingo do que eu estou sentindo, Any! Admita que o sucesso te subiu à cabeça! Eu não sei mas quem é você!

Any Livic: CHEGA! Agora é a minha vez de falar! Eu continuo sendo a mesma pessoa de sempre. VOCÊ é que parece estar inventando um monte de desculpas para brigar comigo.
Miguel: Desculpas?
Any Livic: Quieto! EU falo agora!
Miguel: Que é isso?
Any Livic: O Miguel que EU conhecia não acreditaria em fofocas, mas em mim. O Miguel que EU conhecia saberia que eu jamais quebraria a minha promessa. Mas sabe o que está parecendo?
Miguel (de forma irônica): Não. O quê?
Any Livic: Tá parecendo que você está tentando inverter esse jogo, para colocar a culpa em mim, quando na verdade foi VOCÊ que não cumpriu a sua parte da promessa. É ou não é verdade, Miguel?

Novamente o silêncio se fez presente.
Às vezes não é preciso que nada seja dito para que tudo seja entendido, para que as peças se encaixem e façam sentido.
Minha única reação foi sair correndo.

Corri para todos os lados.
Corri para longe de casa. Casa? Que casa? Onde era a minha casa afinal?
Corri para perto de tudo o que eu conhecia. Mas o que eu conhecia mesmo?
Tudo parecia ruir em volta de mim.
No mesmo terraço onde demos nosso primeiro beijo, também se acabou o relacionamento mais importante que já tive na minha vida: o meu primeiro amor.

Nem sei como cheguei na mansão dos Hamming.

Matthew: Calma, Any! O que aconteceu? Você está pálida! LILLY-BO, TRAZ UM COPO DE ÁGUA COM AÇÚCAR!
Any Livic: Não precisa Matthew. Onde tá a Melody?
Matthew: Está na sala de jantar, preenchendo alguns formulários da faculdade.

Any Livic: Melody, deu tudo errado! Eu não vou voltar pra França com você.
Melody: Hã? Como assim? Calma! O que está acontecendo?

Melody: Ele terminou com você?
Any Livic: Não sei! Tá tudo confuso! Ele me acusou de um monte de coisas!
Melody: Péra, calma... Me explica tudo direitinho.
Any Livic: Melody, eu não vou voltar! Vou fazer as malas agora e vou pra casa dos meus pais.

Melody: Any, pelo amor de Deus, do que você tá falando? Você não pode abandonar uma chance dessas!
Any Livic: Melody, eu não vou voltar!
Melody: Any, você tá de cabeça quente, não dá pra tomar decisão assim!
Any Livic: Melody!
Melody: Any, você vai deixar pra trás um futuro promissor porque um garoto babaca ficou com ciúmes do seu sucesso? Cara, fala sério! Não é por causa do Gustave ou qualquer outro cara... Você não percebe que ele está com inveja do seu futuro? Ele tá se dando conta de que de repente ele não vai mais ter lugar garantido, e que vai ter que ralar muito pra te fazer feliz!
Any Livic: Eu não quero isso! Nada disso! Não quero música, não quero arte, não quero paparazzi, não quero Champs Les Sims! Você não entende?
Melody: Eu entendo que ele é muito especial por ter sido o seu primeiro namorado. E também entendo que dói pra caramba ser tratada dessa forma e passar por uma separação. Mas também sei que ele foi apenas o primeiro amor. Não será o último. Quero que você tome um banho e vá dormir. Amanhã, quando você estiver mais calma, a gente decide juntas o que fazer, está bem?
Any Livic: Minha decisão já está tomada, Melody.

Quase não dormi naquela noite.
Ficava toda hora olhando o relógio, torcendo para as horas passarem rápido, para eu fazer as minhas malas e voltar para a casa dos meus pais.