O Diário de Any Livic

Capítulo 13

Todos os dias Melody inventava alguma coisa diferente pra gente fazer.

Melody: Tenho certeza que você não ficará entediada! Temos tantos lugares passear e conhecer...

Mas não adiantava. Algumas vezes me batia uma saudade imensa de casa, e só queria ficar no meu quarto, quietinha.
Queria saber como que meus pais estavam, se a Julie estava fazendo o pré-natal direitinho, se a minha avó tinha inventado alguma cobertura nova para as deliciosas panquecas...
Mas o que eu mais sentia falta era do Miguel. Será que ele também estava sentindo minha falta? Será que ele também estava cumprindo a parte dele no nosso acordo?
Não fazia tanto tempo que estava em Champs Les Sims, mas para mim parecia uma eternidade!

Quando Melody percebia que eu estava deixando a peteca cair, ela inventava um programa diferente pra gente fazer.
Às vezes íamos ao museu...

Outras vezes na produtora de néctar... Eu sempre comprava algumas coisas diferentes e mandava pro meu pai. Ficava só imaginando a minha mãe toda metida tomando néctar com as amigas, dizendo: “Foi minha filha que mandou da França”.

Também comprava muita coisa diferente para mandar pros meus pais.
Em um dos e-mails que me enviou, Julie disse que finalmente eles estavam para se mudar para a cobertura que minha mãe sempre sonhou.
Caramba, quanto tempo já se passou? Meu pai já tinha conseguido juntar tanto dinheiro assim?
E sempre que eu perguntava sobre o Miguel, ela só dizia que estava bem e logo começava a contar algo sobre ela mesma.
Como sempre, Julie continuava se achando o centro das atenções.

No meio dessas experiências novas todas pelas quais estava passando, jogar vídeo game foi a que mais gostei.
Melody e eu ficávamos horas jogando! Nem sentíamos o tempo passar.
Era um dos raros momentos em que eu me desligava completamente de Bridge Port.
Como eu nunca tinha jogado vídeo game antes, no começo só apanhava da Melody. Mas depois ela teve que correr atrás do prejuízo.

Mas sempre tinha aquele momento em que batia uma saudade louca de casa!
Saudade do Miguel...
Mesmo nos falando todos os dias por e-mail, não era a mesma coisa.
As aulas estavam para começar e eu sabia que logo ficaríamos mais distantes ainda.

E então Melody aparecia e inventava alguma coisa pra me animar.
Uma simples corrida pelo jardim já fazia aquela nuvenzinha escura, ou aquela ruguinha na testa, como Melody costuma dizer, desaparecer.

Os primeiros dias na faculdade não foram muito fáceis. Era muita informação, muito conteúdo e os professores exigiam demais.
Às vezes ficávamos até o anoitecer na biblioteca fazendo pesquisas e estudando.
Eu tinha que me dedicar mais, pois era outra língua, outra cultura. Mas Melody me ajudava muito e logo já tinha pego o jeito e me sentia segura o suficiente para conversar com os nativos.

Nossa professara de música era muito exigente!
Mas essas aulas eram as que eu mais gostava.
Todos os dias passávamos e repassávamos várias músicas, até que ficassem perfeitas. Para nós, porque para a professora nunca era suficiente!
A paisagem maravilhosa junto com aquela música contagiante fazia meu coração crescer, e aos poucos eu fui me desligando de Bridge Port.
Não completamente, claro, mas não deixava mais que a saudade me impedisse de crescer, de aprender, de evoluir.

Os contatos com a família ficavam cada vez mais espaçados. E idem com o Miguel.
Eu sabia que algo em mim estava mudando, que eu estava crescendo, e que isso estava acontecendo cada vez mais rápido.
Ao mesmo tempo que estava louca para saber o que estava por vir, sentia uma força enorme do passado que não era tão distante, mas que ainda me arramava, mesmo que um pouco.
Esse elo do que eu era e do que eu estava prestes a me tornar me causavam medo. Mas também muita ansiedade.

Melody achava que o Gustave da cafeteria era a fim de mim. Volta e meia ela inventava de ir lá, mas sumia, me deixando sozinha com ele.
No começo eu tinha muito medo, pois não entendia nada do que ele falava. Mas depois que a língua não passou a ser mais uma barreira, eu comecei a perceber o que a Melody queria dizer.
Eu me sentia culpada por acha-lo tão bonito e atraente, afinal ele era bem mais velho e eu não queria quebrar a minha promessa com o Miguel. Mas quando toda a tarde ele me ensinava músicas lindas, eu me sentia cada vez mais dividida, e lutava com mais força contra um sentimento que eu nem sabia ao certo qual era.

No final do dia estávamos exaustas.
Sempre parávamos em uma fonte na frente da produtora do néctar, que era caminho para voltarmos da faculdade para casa, e fazíamos um pedido.
Eu sempre pedia para que o tempo passasse rápido, para que eu pudesse voltar para casa o mais rápido possível.
Mas com o tempo meus desejos mudaram. Alguns tinham a ver com a música, outros com aquele lugar maravilhoso... E outros com o Gustave! Quando me pegava pensando nele, batia em mim mesma.
Mas quando eu me dava conta do quanto havia mudado e o quando o Miguel também deveria estar mudado, eu percebia que era besteira me policiar daquele jeito ali.

Afinal, naquele momento, eu era um espírito livre.