O Diário de Any Livic

Capítulo 11

Logo de manhã havia um murmurinho na sala...

Azarias: É, Lourdes, você tanto fez que conseguiu quebrar a televisão de vez!
Lourdes: Eeeeeeeeeeu? Eu não quebrei nada, não!
Azarias: Ah, e você acha que eu sou tão idiota a ponto de não saber que você e a Julie ficavam tentando quebrar a TV para que eu comprasse outra? Claro que não! Os canais novos não surgiram sozinhos, do nada.
Lourdes: Tá, tá, tá. Então vamos à parte prática: você está trabalhando. O mínimo que você pode fazer por nós e comprar pelo menos uma TV descente!

Meu pai tinha outras preocupações, e a maior de todas no momento era a Julie. Se a gravidez dela se confirmasse, mesmo com esse emprego bom em que ele estava agora, graças ao Matthew, eles teriam que apertar o cinto. Mas ele sabia que a minha mãe não se conformaria com isso. E para não ficar mais ouvindo tanto “bla bla bla”, decidiu comprar a TV.
É claro que a minha mãe queria comprar a maior que tinha na loja e que sequer caberia na sala, mas ela teve que se contentar com a melhor, porém do tamanho certo.

Azarias: Pronto, mulher. Agora para de me atazanar!
Lourdes: Huuuum... A gente precisa é de uma sala maior, isso sim!

Meu pai só levou a mão na testa e já começou a se preparar para o que vinha, pois minha mãe não deixaria barato, e não desistiria até conseguir o que queria.

Eu estava tentando estudar para a última prova.
Com tantas decisões a serem tomadas, tantas dúvidas e tanta angustia, as letras pareciam dançar na minha frente.
Era muita coisa de uma vez só.
Mas essa era a última prova. Depois disso, escola nunca mais.
Era o fim de um período da minha vida e o que estava por vir ao mesmo tempo em que me deixava feliz e curiosa, também me trazia muito medo e insegurança.

Depois da prova a Julie me ajudou a fazer as malas.

Any Livic: É... Acho que é isso, né? Tá tudo aqui.
Julie: O que não tiver você compra novo lá.

Minha irmã não entendia que não seria a mesma coisa. Eu queria sair de casa, mas queria levar o máximo possível da casa comigo.

Any Livic: Tudo bem...

Julie: Me desculpe ter sido uma chata nesses últimos tempos. Mas a verdade é que eu vou sentir uma saudade ENORME de você!
Any Livic: Eu também, Julie! Você promete que vai parar de fazer maldades com o papai?
Julie: Parar, parar totalmente é difícil, porque ele pede, né? Vamos combinar... Mas eu prometo diminuir bem.
Any Livic: Julie!
Julie: Tá bom, tá bom, vai...

Mas ainda faltava uma coisa pra gente fazer juntas.

Any Livic: Tá preparada, Julie?
Julie: NÃO! Mas eu quero acabar com isso logo. Me angustia mais ficar sem saber do que saber da verdade e aí ver o que fazer.
Any Livic: Você sabe que aconteça o que acontecer, você não estará sozinha, né?
Julie: Eu sei! Eu só queria que o Matt tivesse vindo.
Any Livic: Ele não atendeu sua ligação?
Julie: Não... Mas eu deixei um monte de recados. Se existir um coração nesse garoto, ele vai aparecer aqui, Any!
Any Livic: Tá, olha, não fica nervosa. Vamos entrar porque já está na hora da consulta e a gente não pode se atrasar.

As duas horas seguintes foram as mais angustiantes que já havia passado. Era surreal pensar o quanto a vida de todos nós iria mudar naquele dia.
Com o resultado na mão, era hora de voltar para casa.

Any Livic: Julie, olha o Matt ali!
Julie: Ai, eu sabia que ele viria! Eu não te disse? Ele me ama!!!
Any Livic: Calma... Vamos devagar aí com essa história. Vou me sentar ali pra deixar vocês dois conversando a sós.

Não fui muito longe, pois queria escutar o que aquele crápula iria falar pra minha irmã.
Mas eu sabia que boa coisa não seria quando ela correu pros braços dele, e ele foi extremamente frio com ela.

Matthew Jr: Olha, eu não quero saber do resultado.
Julie: COMO ASSIM?
Matthew Jr: Porque eu não tenho e nem vou querer ter nada com essa criança, se ela realmente existir e SE ela for minha.
Julie: Matthew!!! Como você pôde fazer isso comigo???
Matthew Jr: Você queria dar o golpe da barriga e se deu mal.
Julie: NUNCA QUIS DAR GOLPE ALGUM! Se tem alguém aqui que deu golpe, foi você, que me prometeu mundos e fundos e só agora estou percebendo que jamais teve a intenção de cumprir nada!
Matthew Jr: Ah, sua trouxa! Se vira e me esquece!

Coitada da minha irmã! Eu fiquei com medo que naquele momento ela perdesse o bebê, ainda mais com um monte de gente tirando fotos e postando em todas as redes sociais e sites de fofocas. As pessoas adoram “chutar cachorro morto”.
Eu só peguei a Julie e saí correndo com ela dali.
Quando chegamos em casa ela estava um caco!
Fiz ela tomar um banho, comer alguma coisa e se deitar.
Não ia ser nada fácil o que ela iria enfrentar dali a diante.
Além do trabalho de ser mãe solteira, o preconceito das pessoas é algo que nos mata aos poucos.
E eu não estaria lá para ver a barriga dela crescer, de segurar a mão da minha irmã na hora do parto...
E pior do que isso, eu teria que contar ao Miguel a minha decisão.

Miguel: Nem precisa me dizer. Já sei qual foi a sua decisão.
Any Livic: Por favor, Miguel, vamos conversar? Eu queria te explicar...
Miguel: Não precisa explicar nada. Decidiu, está decidido.
Any Livic: Por favor, Miguel, eu imploro! Não quero ir embora assim...

Miguel: Não acredito que você vai me trocar por aquele velho babão.
Any Livic: Miguel, o Sr. Matthew sempre me tratou com respeito.
Miguel: Era o mínimo, né? Você tem a idade da filha dele! Mas você viu o que a Matilda disse.
Any Livic: Ela disse pra ferir, pra magoar, pra encobrir as tramoias e maldades que ela fez durante anos com o Matthew. Você não entende? Ela fez de propósito, pra todo mundo brigar, inclusive a gente.
Miguel: Pra mim isso é balela.  Esse cara vai aproveitar quando vocês estiverem sozinhos e vai dar o bote, escuta o que eu tô te dizendo, Any!

Any Livic: Miguel, você acha mesmo que ele faria isso com a filha dele na casa? Ele me tem como uma filha! Tenho certeza que o Matthew jamais me faltaria com respeito.
Miguel: Any, você acredita demais nas pessoas.
Any Livic: Eu apenas dou o benefício da dúvida. Se acontecer qualquer coisa eu te prometo que eu pego o primeiro avião e volto imediatamente.
Miguel: E a gente, como fica? São 5 anos, Any!

Any Livic: Mas eu vou voltar. Quero acompanhar a gravidez da Julie, passar Natal e Ano Novo com você e a minha família...
Miguel: Não vai ser a mesma coisa. Você não vai mais estar do outro lado da rua.
Any Livic: É, Miguel, eu sei. Você também pode ir me visitar lá, né?
Miguel: Ai, Any, eu não tenho dinheiro pra passagem...
Any Livic: Miguel, a gente dá um jeito!
Miguel: Any... Eu te amo! Por favor, não vá!
Any Livic: Eu também te amo! Mas não faça isso comigo!
Miguel: Tá certo... Eu não tenho o direito de te pedir pra ficar...
Any Livic: E eu não tenho o direito de te pedir pra me esperar.
Miguel: Mas eu vou te esperar!
Any Livic: Eu vou te levar no meu coração!

Despedir-me do Miguel foi a coisa mais difícil que já fiz em minha vida!
A única coisa que não me fez mudar de ideia e desistir disso tudo é a esperança de que ele realmente espere por mim.

Não tive a oportunidade de ir à Colação de Grau, porque o avião saía de manhã.
Não preguei os olhos durante a viagem.
Às vezes me encolhia no canto, chorando baixinho, pensando se tomei mesmo a decisão correta.
Melody não percebeu nada, pois dormia profundamente.
Mas Matthew parecia ler meus pensamentos, e nos momentos em que eu mais me angustiava, ele apenas colocava a mão no meu ombro e dizia: “Vai ficar tudo bem”.
Isso me confortava por alguns minutos, mas a saudade de casa, de tudo e todos que deixei pra trás logo batia novamente, e meu coração ficava apertado.

A viagem foi longa, mas assim que chegamos em Champs Les Sims alguma coisa mexeu comigo.
Era como se eu tivesse voltado ao lugar que sempre pertenci.
As cores, as paisagens, as pessoas, os cheiros... Tudo parecia “certo”.
Então, todas as dúvidas que ainda restavam na minha cabeça sumiram.
E a saudade de Bridge Port não era mais amarga, era doce, muito doce.

Não sei por quanto tempo o Matthew dirigiu. Mas a Torre Eiffel jamais sumia das nossas vistas.
A casa parecia ser bem afastada da cidade.
E finalmente ela se revelou!

Não podia acreditar no que meus olhos viam! Será que aquilo era um sonho, ou eu estava realmente ali, em Champs Les Sims, na frente de um maravilhoso castelo?
Tantas coisas se passaram na minha cabeça naquele momento... Mas eram pensamentos soltos, confusos... Pensava no que minha mãe iria achar se estivesse aqui, pensava que aquele seria um lugar fantástico para meu sobrinho (ou sobrinha!) crescer, pensava em como que ficaria a casa de manhã, com o cheirinho das panquecas da minha avó, e pensava no meu pai lendo o jornal na frente da lareira. Mas principalmente eu pensava em eu e o Miguel, trocando juras de amor naquele lindo jardim, com a Torre Eiffel ao fundo.
Todos esses pensamentos foram interrompidos quando a Melody me cutucou e disse: “Foi aqui que eu cresci”.

E é aqui que eu vou continuar crescendo também.