O Diário de Any Livic

Capítulo 05

Melody estava me ensinando a tocar violão.
E eu estava aprendendo rápido!
Todo dia depois da aula a gente se reunia na praça na frente da escola e lá ficávamos até anoitecer.

Depois que já estava craque, a Melody começou a levar o teclado dela, e ficávamos por horas e horas tocando um monte de músicas.
Algumas vezes chagávamos a compor alguma bobagem, e quando víamos, já tínhamos várias letras compostas.
Melody achava que a minha voz era boa, então ela me incentivava a cantar.
Claro que ela me deu muitas dicas de como trabalhar o aquecimento da voz, a respiração, e aos poucos fui gostando cada vez mais daquilo.

Às vezes um amigo dela, o Ruben Littler, tocava com a gente.
Estávamos começando a chamar a atenção das pessoas, que se reuniam à nossa volta, chegando até a jogar alguns trocados na caixa do meu violão, que ficava no chão.
Até que um dia apareceu uma jornalista. Ficou lá assistindo a gente tocando e anotando um monte de coisas num bloquinho.
Fiquei com medo disso! Como ficávamos até tarde da noite, tive receio que meus pais brigassem comigo, ou que me complicasse na escola.
Num desses dias a Melody esqueceu o celular dela. Mas como continuava sem saber onde ela morava, não tinha como devolver. Estava em dúvida se ligava para ela, ou se esperava encontra-la na escola para entregar.

Mas estava tão contente de ganhar uns trocados, que até me esqueci desse lance do celular! Melody não queria ficar com nada, fazia questão que eu ficasse com tudo. Não achava justo. Queria que fosse dividido igualmente.

Quando cheguei em casa fui com muito orgulho ao meu pai e disse:
Any: Pai, eu quero ajudar.
Azarias: Filha, não precisa. Eu tô me virando. Logo vai pintar alguma coisa.
Any: Mas eu quero!
Azarias: Filha, estou muito orgulhoso de você! E também estou muito grato pelo seu gesto. Mas você me faria muito feliz se guardasse esse seu dinheirinho e comprasse algo de seu agrado.

Eu sabia que meu pai precisava daquele dinheiro. Então, eu esperava ele ir tomar banho, entrava de fininho no quarto, e colocava as notas dentro da carteira dele, sem que ninguém percebesse. Podia até ser que ele desconfiava disso, mas não falava nada. E eu ficava muito feliz de poder ajudar.
Toda noite eu olhava no horizonte, via as luzes dos holofotes da cidade e me imaginava lá, tocando com a Melody.
Um dia ainda vou ser famosa e vou dar uma vida digna para a minha família.

Miguel: Quando você for famosa, não vá se esquecer de mim, viu?
Any: Claro que não! E que famosa nada... Nem sei onde isso tudo vai dar.
Miguel: Any, você ainda não percebeu? Você tem uma luz, que quando entra na sala, ilumina tudo. Todos param pra te olhar.
Any: A Melody diz que eu levo jeito.
Miguel: E ela está certa! Any, um dia você vai ser uma estrela, escute o que estou te falando.
Any: Tenho medo, Miguel.
Miguel: Medo de quê?
Any: Não sei... Eu não conheço nada praticamente, nunca saí de casa. Não sei o que me espera lá.

Miguel: O que te espera é muito sucesso.
Any: Do jeito que você fala, eu até acredito. Queria muito que isso acontecesse, pra poder dar descanso pro meu pai.
Miguel: Eu gosto tanto de você! Vou assistir todos os seus shows.
Any: Claro que vai! Não pense que você vai se ver livre de mim tão fácil!

A gente ria, mas no fundo o Miguel achava que a fama me mudaria. E eu achava que se fizesse tudo certo, minha mãe o aceitaria.

Quando voltei pra casa minha mãe estava toda feliz, porque saiu uma foto da gente num jornalzinho do bairro. Tenho certeza que foi aquela jornalista que escreveu a matéria.

Lourdes: Minha filha, que emoção!!! Até que enfim você me deu uma alegria, filha! Você vai ser uma estrela! Vai fazer filmes! Vai ser famosa e vai andar coberta de ouro dos pés à cabeça! Finalmente alguém nessa família não vai me envergonhar e vai nos colocar no mapa!

Para a minha mãe isso importava mais do que tudo: fama e dinheiro. Talvez dinheiro antes da fama...
Para mim significava muito o reconhecimento dela. E queria que ela se sentisse bem com tudo isso, assim quando eu contasse do Miguel, ela nem perceberia...

Mas é claro que não seria fácil, pois Julie estava possessa em ter que dividir a atenção da mamãe comigo, e começou a colocar as garras de fora:

Julie: Você pensa que me engana, sua cachorra?
Any: Credo, Julie! Isso é jeito de falar? Você tá louca?
Julie: Se você tá achando que vai ter tudo o que quer, está muito enganada.
Any: Ai, quer saber? Eu não tenho tempo pros seus dramas adolescentes, tá?
Julie: Você pensa que eu não sei que você fica se encontrando com aquele pé rapado do Miguel, escondida da mamãe? O que será que ela vai achar quando eu contar tudo pra ela, heim heim heim?

Any: Não me venha com ameaças, Julie.
Julie: Ameaças nada! Eu vou contar tudo e aí eu quero ver ela deixar você ficar até altas horas tocando na praça com aquela outra vagabunda.
Any: Você tá com inveja, isso sim. Eu sei que você tentou dar em cima do Miguel outro dia, e ele te deu um chega pra lá.
Julie: E você acha que eu ia querer alguma coisa com aquele infeliz? Eu tô é em outra, minha filha! E logo logo quem vai estar no jornal serei EU! Tá me ouvindo? EU!

O escândalo só foi interrompido porque a vovó chamou pra jantar. Mas eu percebi a Julie falando no celular, só não consegui descobrir quem era. Ela fez de tudo pra disfarçar e tratou logo de se esconder, para que ninguém a ouvisse falando.
Minha avó a chamou mil vezes, mas ela não veio jantar. Disse que estava sem fome.
Na verdade eu achei que ela não queria era ficar perto de mim. Bom, não era nenhum favor...
Ela foi direto pro banho e só depois que ela permitiu que eu tomasse meu banho, foi para a sala de jantar fazer a tarefa.
E aí a coisa ficou feia...

Lourdes: Você sabia, mãe, que a Any estava saindo escondida com aquele idiota do filho dos Suarez?
Antonieta: Que absurdo, minha filha, você acredita mesmo nas besteiras que a Julie inventa? Ela só tá falando isso porque tá com ciúmes da Any ter saído no jornal...
Julie: Não é mentira não, e eu tô me lixando se a Any saiu no jornal, na revista ou no papel higiênico. Ela tá saindo sim escondida com aquele débil mental e eu tenho como provar!
Antonieta: Pare de fazer intrigas, Julie!

Any: Qual é a da vez, heim?
Lourdes: Eu quero que você me explique direitinho essa história de sair escondida com o filho dos Suarez.
Julie: Eu falei que ia contar, sua trouxa. Você não quis acreditar...
Antonieta: Vocês querem parar com isso?
Loures: Pare de defender a Any, mãe. Tudo o que ela faz de errado a senhora acoberta.
Julie: Quer saber? Vou-me embora daqui porque tenho mais o que fazer.
Lourdes: Vai mesmo minha filha. Meu papo é aqui com a sua irmã.
Antonieta: Any, você ainda está com o celular da sua amiga?
Any: Tô sim, vó. Tem até uma ligação perdida nele...
Antonieta: Por que você não vê se tem alguma pista nele que indique onde é a casa dessa menina e vai devolver pra ela, enquanto eu converso aqui com a sua mãe? Ela pode estar precisando do telefone...

Minha avó sempre sabia como contornar as coisas.
Achei nos contos um telefone como sendo de “pai”. Tomei coragem, liguei, e um senhor muito educado atendeu. Expliquei que era amiga da Melody e ele ficou tão contente que só faltou implorar para que eu fosse imediatamente na casa deles.
Essa foi a minha deixa para sair do tumulto de casa.
Mas esse problema com a Julie estava longe de acabar...

Julie era muito mimada. A coisa que ela mais gostava era inventar situações onde ela fosse disputada pelos amigos, pela família e por aí vai.
Como ela achava que eu estava querendo roubar a cena, ela fez o que toda criança faz quando quer chamar atenção: apronta alguma coisa.
Naquele dia Julie decidiu entrar em uma loja e roubar algumas peças de roupa.
Não demorou para que a polícia a escoltasse para casa.

Azarias: Como você pôde fazer uma coisa dessas, Julie? Você tem ideia do problema que você ocasionou? Quem vai querer contratar o pai de uma ladra? Foi essa a educação que eu te dei?
Julie: Me deixa em paz! Você não liga pra mim! Só quer saber da Any, sua filha famosa.
Azarias: Que injustiça! Eu dou tudo o que você quer! Você me pede uma camiseta, eu te dou duas! Muitas vezes a Any deixa de comprar algo que ela precisa, pra sobrar dinheiro pra dar pra você!
Julie: Aaaaaaaaaaaai! Any, Any, Any, Any, Any!!! Chega de falar dela!!!

Azarias: Não chega não! Você deveria se espelhar na sua irmã, que junta cada centavo que ganha tocando na rua, para colocar escondido na minha carteira, pra ajudar em casa. Sabe o que eu fiz? Abri uma poupança pra ela! Por que você não faz o mesmo? Tome vergonha na cara, vá trabalhar e pare de ser uma dondoca como a sua mãe!
Julie: Ah, mas tenha dó!
Azarias: Com quem você estava, Julie?
Julie: Não é da sua conta!

Eu achei que meu pai fosse dar uma surra na Julie. E quer saber? Ela bem que merecia! Mas meu pai não é adepto à violência, nem quando sua filha o falta com respeito.
Ela ainda saiu no lucro: ficou só de castigo.
Quem sabe assim ela me deixa um pouco em paz.
Agora eu só quero saber de devolver o celular pra Melody.

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Cena dos Bastidores

Julie estava com tanta pressa de fugir da polícia, que passou por dentro da porta de casa!