O Diário de Any Livic

Capítulo 03

O dia começou com a minha mãe discutindo com o meu pai porque mais uma vez o chuveiro havia quebrado.

Lourdes: Eu já falei que não é mais pra consertar essa porcaria!!! Tem que comprar uma ducha nova!!!
Azarias: Lourdes, já te falei que não tem dinheiro agora...
Lourdes: Nunca tem dinheiro!!!
Azarias: Se você não gastasse tudo no Spa, talvez...
Lourdes: CHEGA!!! NÃO AGUENTO MAIS VOCÊ ME CRITICANDO!!! Eu preciso cuidar do resto da beleza que você ainda não sugou de mim enquanto ainda dá.

Meu pai ficou arrasado! Foi logo tratar de procurar emprego no jornal.
E minha irmã, é claro, não perdeu a oportunidade de alfinetar ainda mais meu pai, exigindo mais coisas.

Julie: Eu preciso de uma bota nova.
Azarias: A que você tem dá muito bem pra você usar.
Julie: CLARO QUE NÃO DÁ! Eu já usei essa bota três vezes! Todo mundo já me viu com ela.
Azarias: Então dá a bota pra sua irmã, que ninguém a viu usando ainda.
Julie: MAS NEM MORTA!!!

Eu estava tão cansada disso!
Resolvi correr pra casa do Miguel.

Podia não parecer, mas só de sair um pouco de casa, já me sentia melhor.
Às vezes me esquecia de como a rua era bonita e arborizada.
Mal dava pra perceber que estávamos em Bridgeport, pois onde eu morava era muito distante do centro da cidade e seus lindos arranha-céus.
E eles me hipnotizavam! Meu sonho era subir no topo do prédio mais alto de Bridgeport e ver tudo lá de cima, como se fosse o topo do mundo.

A vida na casa dos Suarez era muito divertida!
Eles estavam sempre dançando, ouvindo música.
A Manuella fazia questão de servir alguma coisa muito gostosa pra gente comer.
O ambiente era leve. Eu nunca vi nenhum deles reclamando da vida, falando mal uns dos outros. Totalmente diferente do que acontecia na minha casa.
Eu me sentia realmente bem quando estava lá.

O senhor Emílio era muito engraçado. Ele morria de ciúmes da Manuella. Não a deixava sozinha um minuto! Onde ela ia, ele ia atrás.
E ela, com aquele sotaque latino carregado, falava “No, no, cariño mio, dejame tranquila!”, mas de um jeito engraçado, como se desejando que ele fizesse o oposto.
Dava pra notar que havia muito amor entre eles, muito amor naquela casa.
As pessoas se gostavam, gostavam de estar ali e não tinham vergonha nenhuma que todos soubessem disso.

Mas naquele dia o Miguel estava estranho. Quieto. Distante. Parecia que alguma coisa o afligia.
Eu achei até que era culpa minha, que talvez ele não quisesse que eu estivesse lá naquela noite, pois ele poderia estar com algum problema e talvez quisesse conversar com os pais.
Eu também estava triste, talvez ele tivesse percebido isso, e tinha certeza que eu não seria uma boa companhia naquela noite.
Decidi que logo depois do jantar eu iria embora. Mesmo porque minha mãe já deveria estar voltando do Spa e ela certamente não gostaria nada de saber que eu estava na casa dos Suarez.
Mas com medo de parecer indelicada, esperei um pouco antes de me despedir deles.
Foi aí que Miguel me chamou para conversar na sacada do quarto dos pais dele.

Miguel: O que você tem? Está tão quietinha...
Any: A coisa tá feia em casa, Miguel.
Miguel: Seus pais ainda estão brigando muito?
Any: Muito é pouco perto do quanto eles discutem.
Miguel: Eu sinto muito.
Any: Tenho tanta vontade de ir embora, sumir. Não aguento mais aquela casa, aquele clima ruim.
Miguel: Já pensou em fazer faculdade fora?
Any: Faculdade? Isso não é pra mim... Estudando em colégio público eu não teria a menor chance de passar em uma faculdade gratuita. E as particulares não passam nem perto do bolso do meu pai...
Miguel: Mas você pode conseguir uma bolsa.
Any: Você sabe o que eu queria mesmo?
Miguel: O quê?
Any: Eu queria conseguir um emprego. Ajudar meu pai com as contas. Fazer muito sucesso e ir morar lá naqueles prédios maravilhosos do centro de Bridgeport. Sonha...
Miguel: Mas você pode!
Any: Que nada! Isso não é para mim. Por isso eu gosto de ficar aqui nessa varanda, olhando os prédios, as luzes... Sonhando que estou lá...
Miguel: E você sabe o que eu queria mesmo?
Any: O quê?

E foi então que aconteceu!

Foi o momento mais mágico de toda a minha vida!
O tempo parou.
Não ouvia nenhum som.
Parecia que não havia mais ninguém no mundo exceto eu e o Miguel.

Voltei correndo pra casa e fui dormir.
Entrei na ponta do pé, torcendo para que ninguém me visse chegando àquela hora.
Minha maior preocupação era que a minha mãe tivesse dado pela minha falta
.

Sonhei a noite toda com aquele momento mágico!
Queria que ele não acabasse nunca!
Esperei tanto por ele, que queria gritar aos quatro cantos do mundo o quanto eu amava aquele menino!
Mas eu não podia... Porque se a minha mãe sequer desconfiasse do que estava acontecendo, era capaz até dela me mandar para longe, ou nunca mais permitir que eu saísse de casa.
Eu tinha muito medo dela.
Queria muito o que estava acontecendo comigo, mas morria de medo das consequências.

No dia seguinte minha avó foi certeira.

Antonieta: Você chegou tarde ontem.
Any: Alguém viu?
Antonieta: Se você está preocupada com a sua mãe, fique tranquila, pois ela não viu. Quando chegou toda nervosa ainda por causa do chuveiro, eu disse que você e a Julie já estavam dormindo. Como ela subiu para continuar atazanando o seu pai, nem me deu bola.
Any: Ufa!
Antonieta: Você estava com aquele rapaz, o Miguel, não é?
Any: Não vó! Eu tava na casa dele, mas jantei lá e a Manu ficou me segurando, conversando sobre as coisas lá no restaurante que ela trabalha. Você sabe como ela é, né?
Antonieta: Sei, sei...

Eu odiava mentir pra ela! E ela sabia que eu estava mentindo. Mas se eu quisesse levar adiante o meu plano de sair de casa, teria que seguir meu plano à risca. Ninguém poderia saber da verdade, ou tudo iria por água abaixo.

--------------------------------------------------------

Foto dos Bastidores:

Momento vesguice e olhares bizarros na casa dos Suarez.