9º Capítulo


Comemorávamos o sucesso das obras, na praia da cidade. Por fim, elas estavam concluídas. Meu nome estava na mídia, todos me aplaudiam pela sabedoria com que agi no melhoramento da cidade. Um ou outro reclamava, exigindo mais. Mas é lógico que eu ainda faria muito por todos eles.

Assim que tive a oportunidade, afastei-me da multidão e dirigi-me para frente do mar. Há quanto tempo eu não via o mar! Nunca tinha tempo para admirá-lo, e um mergulho podia gerar tantos flashs e comentários que eu preferia evitar. Mas a piscina do reino nunca se igualaria ao mar.

De repente, Kelvin se aproximou de mim, daquele seu jeitinho, sem fazer o menor barulho e me dando o maior susto.  Quando vi que era ele, sorri e lhe abracei, satisfeita. Ele retribuiu meu abraço, mas pude sentir que não com a mesma intensidade que eu.

Olhei em seus olhos. Eu sabia que os meus expressavam muitas coisas, e queria ver se o dele também. Mas ele desviou o olhar. Parecia incomodado com alguma coisa. Suspirei.
Anie: O que há, Kelvin?
Então ele tocou num assunto delicado que realmente me incomodou.

Kelvin: As gêmeas vieram conversar comigo, enquanto você estava aí, parecendo uma criança fascinada com o mar.
Senti minhas veias arderem. Ele ia falar em separação, eu tinha certeza disto.
Ele segurou uma de minha mãos e prosseguiu:

Kelvin: Podemos continuar casados até você obter maior idade, e depois...
Anie: Você gosta de mim, Kelvin?
Kelvin: Como?
Anie: Responda-me! Por que eu acho que eu aprendi a gostar de você de verdade.
Não previ sua reação, nem sabia por que falava aquilo. Simplesmente não suportava a idéia de perder meu marido.

Kelvin: Eu sempre gostei de você, Anie. Desde que você era uma garotinha. Não, não vamos nos separar.
Anie: As gêmeas me disseram que...
Kelvin: Não importa o que elas te disseram, eu prefiro você.
Abraçamos-nos novamente. Eu estava muito feliz para beijá-lo. Todavia, sem que ele visse, eu sorri.
 
No dia seguinte, saímos para passear. Tudo parecia perfeito para mim, mas o destino resolveu me aprontar mais uma. Recebi uma ligação de Mariana e tive que voltar correndo para o castelo. Ela veio ao nosso encontro assim que chegamos, parecendo aflita.
Anie: O que houve, Mariana?
Mariana: Sua mãe está no quarto, e pediu para você ir até lá. Ela quer conversar com você.

Ao entrar, deparei-me com a minha mãe na cama, com uma aparência doentia.
Anie: Mamãe? Você está bem?
Sandra: Desculpe-me Anie. Eu devia ter sido uma mãe melhor para você.
Anie: Do que está falando?
Sandra: Diz que me perdoa, por ser sempre assim, tão orgulhosa e esnobe...
Anie: Todos nós temos defeitos, mas são características que podem ser melhoradas se nos esforçarmos.
Sandra: Agora é um pouco tarde para isso... Anie, eu tinha inveja de você.
Anie: O que?

Sandra: Você sempre foi bonita, inteligente, uma garota disciplinada e graciosamente educada. Eu queria ter tido pelo menos um pouco da sua sensibilidade. Nunca fui boa na escola, nunca tive muitos amigos, e casei-me pela ambição.
Anie: Eu também não casei por amor... apesar de ter me acertado com Kelvin. Eu também não tenho amigos.
Sandra: Tem um montão de gente aí que te admira e te respeita. Eu quase afundei a cidade, não fui uma boa mãe e...
Anie: Para mãe, para! Eu já te perdoei, afinal, eu nunca guardei mágoas de você, mamãe. Foi você me ensinou que a vida não é fácil, que não podemos confiar nas pessoas, que não podemos ser tão sentimentais assim. Mãe... Mãe!

Sandra caiu no chão, se contorcendo de dor. Pelo que me parecia, ela havia ficado doente enquanto eu cuidava dos negócios da cidade. Que bela cidadã eu era: Cuidando do bem-estar de todos enquanto minha mãe morria aos poucos!

Seu velório foi silencioso e constrangedor. Poucas pessoas compareceram. Minha maior mágoa era não ter dito que a amava enquanto tive tempo. Pelo menos ela me dera a oportunidade de perdoá-la. Chorei muito, talvez até mais do que quando meu pai se fora.

Continuei chorando por dias seguidos. Entre uma lágrima e outra, Kelvin me consolava. Sua presença era muito útil para mim. Afinal, agora eu era uma órfã. Não, estava decidido, eu não queria mais carregar o peso da realeza em minhas costas.